Câmara
aprova projeto que regulamenta terceirização; entenda
Luís Guilherme Barrucho
* - @luisbarrucho Da BBC Brasil em São Paulo
Pontos
mais polêmicos do projeto ainda serão votados, na semana que vem
Criticado por centrais sindicais, mas apoiado por
grande parte do empresariado nacional, o projeto de lei que regulamenta a
terceirização dos contratos de trabalho foi aprovado na noite desta
quarta-feira pela Câmara dos Deputados, cercado de polêmicas.
A principal delas é a permissão de que empresas
terceirizem não só atividades-meio (funções de apoio ao negócio central da
empresa, como limpeza e vigilância), mas também as atividades-fim (por exemplo,
a fabricação de carros, no caso de uma montadora).
O Plenário da Câmara aprovou o texto-base do
projeto de lei por 324 votos a 137, mas alterações no texto-base e pontos mais
controversos da proposta só serão votados na terça-feira que vem pelos
deputados.
O projeto ainda tem de passar também pelo Senado.
Para os críticos, o projeto de lei é prejudicial
aos trabalhadores pois coloca em risco direitos trabalhistas e ganhos
salariais, além de poder levar a uma substituição em larga escala da mão de
obra contratada pela terceirizada.
Já os defensores da proposta acreditam que ela
acaba com a insegurança jurídica, aumenta a produtividade e gera mais empregos.
Projeto é
criticado por centrais sindicais, mas apoiado por empresários
Até agora, por causa da ausência de parâmetros
definidos para a terceirização, o tema vinha sendo regulado pelo Tribunal
Superior do Trabalho (TST), por meio da chamada Súmula 331, que proíbe a
contratação de trabalhadores por meio de empresas interpostas, exceto os
trabalhadores temporários (como aqueles que trabalham em época de Natal e Páscoa).
De acordo com o dispositivo, a terceirização somente é legal quando se refere à
atividade-meio da empresa, e não à atividade-fim.
No ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF)
decidiu entrar na polêmica, ao declarar o tema de repercussão geral, em meio à
multiplicação de ações civis públicas ajuizadas pelo MPT (Ministério Público do
Trabalho) envolvendo indenizações milionárias. O julgamento não ocorreu e está
previsto para acontecer em 2015.
Centrais, sindicatos e movimentos sociais
realizaram manifestações na terça-feira pelo país em oposição à votação do
projeto de lei.
"Vamos fazer uma campanha massiva contra todos
os deputados que votarem a favor dessa proposta", afirmou à BBC Brasil
Graça Costa, secretária das Relações de Trabalho da CUT (Central Única dos
Trabalhadores).
Os 3 pontos polêmicos do PL
4330/04
- Terceirização das atividades-fim
- Responsabilidade da empresa contratante sobre obrigações trabalhistas
- Garantia dos direitos trabalhistas aos terceirizados (em especial representação sindical)
A BBC Brasil listou três pontos polêmicos do
projeto de lei e ouviu opiniões – contra e a favor – sobre ele.
1. Terceirização de toda e qualquer atividade
A possibilidade de que as empresas passem a
terceirizar não só a atividade-meio (aquelas que não são inerentes ao objetivo
principal da empresa, ou seja, serviços necessários, mas não essenciais), mas
também a atividade-fim (aquela que caracteriza o objetivo principal da empresa)
é um dos itens mais controversos do projeto de lei que regulamenta a prestação
de serviços por terceiros.
No caso de um banco, por exemplo, a mudança
permitiria que bancários – de operadores de caixa a gerentes, ou seja, aqueles
que desempenham atividade-fim nessas instituições - passem a ser terceirizados.
Atualmente, nessas empresas, apenas trabalhadores como seguranças ou faxineiros
podem ter esse tipo de contrato, pois exercem atividade-meio, já que a
atividade principal de um banco não é fazer segurança tampouco faxina.
Os críticos dizem, no entanto, que a flexibilização
dos contratos "precariza as relações de trabalho". Eles também
argumentam que, ao serem empregados como terceirizados, os trabalhadores perdem
os benefícios conquistados pela categoria, como, por exemplo, piso salarial
maior, plano de saúde, vale-alimentação, participação nos lucros, entre outros.
"Esse projeto de lei precariza as condições de
trabalho no país. Dizem que mais empregos serão gerados, mas com que padrão?
Padrão chinês?", critica o juiz Germano Silveira, vice-presidente da
Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), em
referência às más condições de trabalho em fábricas na China.
"Os terceirizados ganham salários mais baixos,
até metade do que ganha um contratado direto, e sofrem acidentes de trabalho
com mais frequência, pois as empresas que prestam o serviço terceirizado
economizam nos itens de segurança para cortar custos", acrescenta. "Os
deputados (a favor do projeto de lei) querem transformar essa diferença de
salário em lucro para os empresários".
Graça Costa, secretária das Relações de Trabalho da
CUT (Central Única dos Trabalhadores) concorda. Segundo ela, o projeto, se
aprovado, vai provocar uma substituição em massa de trabalhadores contratados
por terceirizados.
Permissão
para que toda e qualquer atividade seja terceirizada desagrada lideranças
sindicais
"Há hoje no Brasil quase 13 milhões de
trabalhadores terceirizados, contra 35 milhões de trabalhadores contratados.
Essa situação vai se inverter com a aprovação desse projeto de lei. O objetivo
das empresas é unicamente reduzir custos. A relação de trabalho, que hoje é
bilateral, ou seja, entre trabalhador e empregador, vai deixar de sê-lo, abrindo
espaço para subcontratações a torto e direito. Será quebrada a coluna vertebral
do direito do trabalho no Brasil", avalia.
Segundo Costa, estimativas apontam que, além de
terem salários menores, os terceirizados trabalham mais e correm mais riscos de
sofrer acidentes, inclusive fatais. Ela acrescenta ainda que, dos dez maiores
grupos de trabalhadores em condições análogas à escravidão resgatados entre
2010 e 2014, 90% eram de mão de obra terceirizada.
2. Responsabilidade das empresas contratantes sobre
obrigações trabalhistas
Pela atual versão do PL 4.330/2004, a empresa
contratante (tomadora de serviços) deve fiscalizar se a empresa terceirizadora
(fornecedora de serviços) está fazendo os pagamentos trabalhistas e garantindo
os benefícios legais, como férias remuneradas.
Apenas se não comprovar ter feito a fiscalização,
ela poderá ser punida no caso de alguma irregularidade. O projeto de lei
determina que a empresa contratada comprove por meio de documentação mensal que
está cumprindo com suas obrigações.
As centrais sindicais, no entanto, defendem que a
responsabilidade do tomador de serviço não seja "subsidiária", mas
"solidária". No linguajar jurídico, a chamada "responsabilidade
subsidiária" significa que a empresa contratante (tomadora de serviços)
somente pagará se o devedor principal deixar de pagar.
Isso leva o trabalhador a demorar mais tempo para
receber seu dinheiro, no caso de uma demissão sem justa causa, por exemplo –
porque ele precisa esgotar primeiro todas as possibilidades para receber do
devedor solidário, ou seja, da empresa contratada.
Como muitas vezes essas terceirizadoras têm capital
social muito baixo, com poucos bens no nome da empresa ou dos sócios, o
trabalhador acaba enfrentando um longo périplo na Justiça para reaver seus direitos,
dizem os representantes dos sindicatos.
"Essa foi uma solução intermediária (para o
impasse), mas é apenas uma fiscalização formal", critica Silveira.
Para Costa, da CUT, a proposta prejudica o
trabalhador porque tira do Estado o poder de fiscalização".
Quanto a encargos previdenciários e Imposto de
Renda dos terceirizados, a responsabilidade é da empresa contratante (que antes
apenas fiscalizava o pagamento), e não mais da terceirizada.
"Se a empresa terceirizada não cumprir com os
direitos dos trabalhadores e a empresa contratante provar que se
responsabilizou, o prejudicado será o trabalhador. Não faz sentido deixar na
mão do empresário, que tem interesses financeiros nesse sistema, a tarefa de
fiscalização, que deveria caber ao Estado", argumenta.
Costa lembra que o escândalo de desvio de verbas na
Petrobras criou, recentemente, um impasse sobre obrigações trabalhistas.
"Mais de 20 mil trabalhadores terceirizados
foram demitidos recentemente de empresas que prestavam serviços à Petrobras e
não sabem a quem recorrer".
3. Garantias dos direitos trabalhistas aos
terceirizados
A garantia dos direitos trabalhistas aos
terceirizados, especialmente como deve ficar a representação sindical, é outro
ponto de atrito entre críticos e apoiadores do projeto de lei que regulamenta a
terceirização da mão de obra.
O texto não assegura a filiação dos terceirizados
no sindicato de atividade preponderante da empresa, o que, segundo as
lideranças sindicais, fragiliza a organização dos trabalhadores terceirizados.
De acordo com os sindicatos, é comum que
terceirizados que trabalhem em um mesmo local tenham diferentes patrões e sejam
representados por setores distintos. Negociações com o patronato acabam, assim,
prejudicadas, apontam.
"Flexibilizar as relações trabalhistas é um
erro, sobretudo no momento de crise. Precisamos de um mercado de trabalho
forte, uma massa de trabalhadores com bons salários e com boas condições para
que eles possam ser consumidores. O governo vai deixar de arrecadar",
conclui Costa.
Outro lado
Na visão dos que apoiam o projeto de lei, a
regulamentação dos contratos de prestação de serviços de terceiros beneficia os
trabalhadores.
Segundo o deputado Arthur Maia (SD-BA), autor do
substitutivo da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania para o PL
4.330/04, havia uma "discriminação contra o trabalhador
terceirizado".
"Não temos uma legislação que discipline a
matéria. Nosso objetivo é regulamentar as relações de trabalho nesse campo
criando uma série de exigências para que uma empresa possa funcionar como
terceirizada. Isso beneficia o trabalhador pois lhe dá a segurança que hoje ele
não tem", diz Maia.
O deputado argumenta que os sindicatos são contra a
proposta por temer uma "redução da arrecadação".
"Quando acontecer a legalização, haverá um
fracionamento maior da contribuição sindical entre mais sindicatos. A crítica é
legítima. Temos de reconhecer, porém, que não é justo que haja um prejuízo do
trabalhador face à arrecadação sindical".
Em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo,
Paulo Skaf, presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São
Paulo), afirmou que "com a regulamentação do trabalho terceirizado, o
Brasil irá se alinhar às mais modernas práticas trabalhistas do mundo".
"Depois de muitos anos de debate, a
terceirização poderá, enfim, ser regulamentada no Brasil. Isso acabará com a
insegurança jurídica, aumentará a competitividade e certamente vai gerar mais
empregos".
Para a CNC (Confederação Nacional do Comércio de
Bens, Serviços e Turismo), a regulamentação da terceirização é "condição
imprescindível para que as empresas possam colocar seus produtos no mercado a
preço competitivo e, com isso, ajudar o Brasil a sair desta crise inédita e de
tamanho imprevisível".
*Colaborou
Mariana Schreiber, da BBC Brasil em Brasília
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